A regra geral diz que somente as pessoas jurídicas é que podem ser responsabilizadas pelos débitos tributários contraídos em nome da empresa. Porém, não raramente vemos esforços da Fazenda Pública para incluir o sócio administrador e seu patrimônio pessoal na Execução Fiscal, com fundamento no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.
No campo do sujeição passiva tributária, a partir dos ensinamentos da doutrina, entende-se que o sujeito passivo, a pessoa física ou jurídica, “é aquele a quem incumbe o cumprimento da prestação da natureza fiscal, seja o pagamento de tributo, seja um comportamento positivo ou negativo, estatuído no interesse da arrecadação tributária”[1].
A legislação tributária, porém, faz larga distinção, na disciplina da sujeição passiva da obrigação principal, entre o sujeito passivo direto e o sujeito passivo indireto. Tecendo breves comentários, sujeito passivo direto ou contribuinte, é aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador[2]”. Em outras palavras, é aquele que efetivamente pratica o fato descrito na legislação tributária, como por exemplo, circulação de mercadoria que dá ensejo ao recolhimento do ICMS ao estado.
O sujeito passivo indireto, por outro lado, genericamente denominado pelo Código Tributário Nacional como responsável, está presente quando “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”[3]. Ou seja, o responsável tributário é um terceiro que, embora não pratique o evento tributário, possui relação indireta com o fato gerador, carregando a obrigação de proceder ao recolhimento do tributo, desde que ocorridas algumas circunstâncias previstas na Lei tributária ensejadoras de sua responsabilidade.
Assim, a regra geral definida pela legislação tributária é a de que apenas o contribuinte pode ser responsabilizado pelos débitos tributários, porém, excepcionalmente, “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este, em caráter supletivo, o cumprimento total ou parcial da referida obrigação”[4].
E a partir desse direcionamento é que o Código Tributário Nacional (CTN) passa, então, a disciplinar a responsabilidade pessoal das pessoas previstas no artigo 135[5] pelos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
À vista dessa introdução, o presente artigo busca trazer luz sobre a necessidade de comprovação dos atos ensejadores da responsabilidade tributária para a inclusão do sócio administrador da pessoa jurídica no polo passivo da Execução Fiscal, isto pois, a realidade nos mostra, com frequência significativa, uma vez que há inúmeros pedidos da Fazenda Pública para a redistribuição ao administrador, alegando a existência de infração à lei, contrato social ou ao estatuto, hipótese que, nos termos do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), permitiriam a atribuição de responsabilidade tributária pessoal ao administrador da empresa pelos créditos tributários.
Mais que isso, para enriquecer a discussão abordaremos, ainda que de forma breve, julgamentos do Superior Tribunal de Justiça acerca da imputação da responsabilidade pessoal para os sujeitos previstos no artigo 135 do CTN, pela prática de atos específicos e qualificados pela Lei como passíveis de direcionamento da responsabilidade tributária.
A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS ADMINSITRADORES NÃO PODE PARTIR DE MERAS ALEGAÇÕES E REQUER A EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS.
Conforme brevemente apontado, com grande frequência, são constatados, em processos tributários, pedidos da Fazenda Pública para a redistribuição da Execução Fiscal em face dos administradores, visando integrar o patrimônio pessoal desses sujeitos à satisfação de créditos tributários. Porém, com uma infeliz frequência, é possível constatar que tais pedidos, em geral, são compostos por meras alegações de infração à Lei, contrato social ou estatuto, desprovidos de provas contundentes, que efetivamente demonstrem a prática de infração ou excesso de poderes.
E na situação posta, desde já merece destaque que o inciso III do artigo 135 do CTN traz a clara redação de que a inclusão dos sujeitos ali descritos, quais sejam, “os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”, somente é possível a partir da existência, no mundo fático, de uma conduta positiva, um ato praticado com excesso e à margem da Lei, contrato social ou estatuto. Não se cogita, portanto, qualquer possibilidade de enquadrar uma omissão, pelos sujeitos ali descritos, da qual decorra infração à Lei, contrato social ou estatuto e que possa ensejar responsabilidade tributária.
Em igual sentido, a responsabilidade dos administradores não é objetiva, isto é, não é “automática” pura e simplesmente pelo exercício do cargo à época do ajuizamento da Execução Fiscal. Mais do que isso, “pacificou-se no E. STJ a tese de que a responsabilidade do sócio não é objetiva. Para que surja a responsabilidade pessoal, disciplinada no artigo 135 do CTN é necessário que haja a comprovação de que ele, o sócio, agiu com excesso de mandato, ou infringiu a lei, o contrato social ou o estatuto”[6]
Ou seja, tendo em vista que a responsabilidade não é objetiva o administrador não pode ser incluído na Execução Fiscal somente pelo fato de exercer o cargo previsto na Lei, passível de responsabilidade pessoal, quando a Execução Fiscal é ajuizada.
Mais do que isso, para a integração do administrador da pessoa jurídica no processo executivo, após seu ajuizamento, a lei e a jurisprudência pacífica do STJ demandam que a Fazenda Pública cumpra um ônus probandi, através de provas robustas, com a comprovação dos fatos que supostamente permitam a inclusão e que efetivamente demonstrem a subjetividade na atuação dos sujeitos previstos no artigo 135, inciso III, do CTN com o fito de infringir a Lei, contrato social ou estatuto e a partir da existência de dolo ou culpa.
Em outras palavras, sem adentrar no mérito de dissolução irregular de sociedades empresariais, a jurisprudência do STJ caminha no sentido de que após o ajuizamento da Execução Fiscal em face tão somente da pessoa jurídica, na condição de contribuinte, seu direcionamento para o administrador, na condição de terceiro e com fundamento no artigo 135, inciso III, do CTN somente seria admitida na hipótese de existirem provas incontestáveis de que a dívida tributária teve origem de ato promovido pelo sócio, administrador ou gerente com excesso de poderes, infringência à lei ou estatuto social. Assim, meras alegações, e argumentos desprovidos de provas documentais, não são, em tese, capazes de manejar a redistribuição aos responsáveis previstos neste dispositivo.
A justificativa é a de que ao se responsabilizar o administrador pela dívida tributária da pessoa jurídica, coloca-se em patente risco a sua vida patrimonial e o seu direito constitucional de propriedade, existindo a alta possibilidade de seus bens pessoais, muitas das vezes conquistados ao longo de décadas, serem expropriados futuramente para quitar o débito fiscal, originado, muitas vezes, a partir do risco do próprio negócio.
Nessa linha de raciocínio, possível citar trecho do voto do Ministro Castro Meira do Superior Tribunal de Justiça, proferido nos autos do Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 702.232/RS, o qual, na situação fática-jurídica aqui retratada, expôs o seguinte entendimento:
Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se da CDA consta apenas a pessoa jurídica como responsável tributária, decorre que a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade também ao sócio-gerente. Se, posteriormente, pretende voltar-se também contra o patrimônio do sócio, deverá demonstrar a infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.
Corriqueiramente, porém, buscando esquivar-se desse importante precedente, a Fazenda Pública fundamenta seus pedidos de redirecionamento de Execuções Fiscais aos administradores utilizando-se do argumento de que a infração à Lei se deu a partir do não recolhimento do tributo e tal conduta justifica, por si só, a aplicação do artigo 135, inciso III, do CTN.
O MERO INADIMPLEMENTO DO TRIBUTO NÃO ENSEJA A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES.
Ainda que em recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça seja possível constatar a utilização desse argumento, por certo que a jurisprudência pacífica da Corte aponta no sentido que “a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou ao estatuto da empresa”[7]
Em outras palavras, a mera alegação por parte da Fazenda Pública, de que houve o não pagamento de tributo e que, por tal razão, a conclusão é a de que a Lei foi infringida não é um argumento juridicamente válido e fundamentado, capaz de trazer a aplicação do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, isto pois, vai na contramão do entendimento pacífico do STJ, o qual, como fonte do direito, preconiza a sólida necessidade de se comprovar a existência dessas infrações, com provas robustas.
CONCLUSÃO
Em conclusão, temos que o Código Tributário Nacional de fato permite a responsabilização tributária dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, conforme previsão do artigo 135, inciso III. Porém, ainda que exista essa possibilidade, vimos ao longo desse artigo, em primeiro lugar, que essa espécie de responsabilidade decorre única e exclusivamente de condutas positivas, atos praticados à margem da Lei, Contrato Social ou Estatuto.
Mais do que isso, abordamos que os pedidos de inclusão dos sócios administradores, única e exclusivamente na hipótese de já ter sido ajuizada execução fiscal, carregam a imprescindível necessidade de que existam provas contundentes de que tais infrações existiram, não podendo a Fazenda Pública se valer de meras alegações, sem a comprovação dos fatos que supostamente permitam a inclusão. Isto é, a responsabilidade desses sujeitos é subjetiva, o que requer a existência de culpa ou dolo. À vista disso, com lastro na jurisprudência do STJ que nesses casos o ônus da prova é somente da Fazenda Pública.
E a justificativa para isso, como abordado, é que a responsabilização do sócio administrador, após a Execução Fiscal ter sido ajuizada em face somente da pessoa jurídica, coloca em risco sua vida patrimonial pessoal e seu direito constitucional de propriedade, existindo a alta possibilidade de seus bens serem expropriados para a quitar o débito fiscal. Por tal motivo, não pode a Fazenda Pública se valer de vazios argumentos, em um esforço sem respaldo e provas robustas.
E para evitar que a Fazenda Pública se desonere de seu ônus probandi de efetivamente comprovar as infrações, para que seja aplicado o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, não basta a mera alegação de que não houve o recolhimento do tributo e que isso, por si só, leva a uma infração à Lei, isto pois, o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de que o mero inadimplemento não enseja a responsabilização pessoal dos administradores, com seu patrimônio pessoal, permanecendo, nessa hipótese a regra geral de sujeição passiva.
Porém, ainda que existam entendimentos pacíficos do Superior Tribunal de Justiça que, em tese, deveriam ser observados pela Fazenda Pública, não raramente é possível constatar abusividades e esforços ilegais para a inclusão dos administradores nos processos executivos, que resultam em grandes perdas patrimoniais para quitação de débitos fiscais da pessoa jurídica.
[1] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. Pg 224.
[2] Artigo 121, inciso I, Código Tributário Nacional.
[3] Artigo 121, parágrafo único, inciso II, Código Tributário Nacional.
[4] Art. 128, Código Tributário Nacional.
[5] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado
[6] Agravo Regimental no Recurso Especial nº 464.738/SC
[7] Recurso Especial nº 1.101.728/SP