NA PRÁTICA COMO UMA AÇÃO ANULATÓRIA PODE IMPACTAR NA ESFERA PENAL?
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Entenda melhor do que se trata esse artigo:
Anteriormente falamos sobre como o valor do tributo pode impactar na extinção da ação penal[1], situação essa que deve ser de conhecimento da empresa, agora iremos tratar de autuações fiscais de valores monetários mais significativos que podem ser anulados.
Quando empresas se deparam com uma situação fática que pode ser apta a anular o débito tributário é importante não se desesperar e ingressar com uma ação no âmbito tributário, justamente para que se repercutir em uma investigação criminal e até mesmo possa alcançar o término da ação penal. Quer saber maiores detalhes? Então continue a leitura!
2. A independência das esferas (tributária e penal) pode ser mitigada, na prática.
Muito embora saibamos da autonomia do trâmite processual no âmbito tributário judicial, administrativo e penal, não se pode negar que na prática repercuta efeitos.
Dizemos isso por que ainda em fase de depoimentos prestados em delegacias de polícia quando o empresário/acusado informa a existência de ação anulatória do débito, acerca do qual foi instaurado o procedimento investigatório, não são raras as vezes que o procedimento investigatório na prática acaba tramitando na mesma medida da conclusão do julgamento da ação anulatória do débito fiscal.
Tal efeito prático decorre do fato de que há necessidade de haver prudência na apuração da conduta criminal, haja vista que uma vez anulado o débito tributário esse não pode mais ser cobrado do contribuinte, bem como desaparece o motivo da instauração do processo crime também.
Isso é dito pelo fato de que a anulação do débito implica na sua inexistência, é como se nunca tivesse ocorrido, logo TODOS os seus efeitos na prática são desconsiderados, em se tratando de autuação fiscal, é como se o débito nunca tivesse sido constituído, ou seja admitir um processo crime nesse sentido iria de encontro com a Súmula Vinculante nº 24, que assim dispõe:
Súmula Vinculante 24
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. (grifamos).
Por isso entenda um pouco mais sobre a necessidade de guardar os seus documentos fiscais.
3. A importância de guardar os documentos fiscais.
Um grave erro clássico entre os contribuintes é achar que por simplesmente ter decorrido 5 anos da data da operação podem dispensar os documentos fiscais.
Veja, não é bem assim! Embora não se desconheça que o prazo decadencial é de 5 anos para a constituição do crédito, bem como para a sua cobrança, existem situações práticas que impactam significativamente nisso.
Por exemplo, se uma empresa se creditar de ICMS em 09/2009 e não recolher o valor do ICMS declarado na GIA desse mês de referência o prazo da autuação fiscal de constituição do crédito decorrente de glosa terminará apenas em 01/01/2015, logo até esse prazo a empresa precisará manter TODOS os documentos da operação suscetível de revisão pela fiscalização.
Atualmente com o envio de documentos fiscais eletronicamente, bem como com os processos administrativos e judiciais digitais a guarda, e logicamente a demonstração probatória das operações é muito mais fácil, necessitando é claro manter um banco de dados seguro e bem estruturado para facilitar a localização.
Nesse momento que estamos às vésperas de implementação no Brasil da LGPD[2] as empresas mais do que nunca precisam se atentar para a organização e guarda adequada de todos os seus documentos o que será uma ótima oportunidade para estruturar a parte fiscal das empresas.
4. Na prática: Decisão judicial que determinou o término da ação penal
Primeiro vamos entender como se daria o término da ação penal que vou destacar no julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em novembro de 2019, vejamos o teor da ementa do caso:
HABEAS CORPUS – Crimes contra a ordem tributária. Supressão e redução de tributo (artigo 1º, I e II da Lei nº 8.137/90, por diversas vezes) – Trancamento da ação penal. Possibilidade – Crédito tributário desconstituído em ação anulatória. Ausência de condição objetiva de punibilidade. Inteligência da Súmula Vinculante nº 24 – Constrangimento ilegal evidenciado – Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal. (TJSP; Habeas Corpus Criminal 2202831-42.2019.8.26.0000; Relator (a): Gilberto Ferreira da Cruz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Guaíra – 1ª Vara; Data do Julgamento: 07/11/2019; Data de Registro: 08/11/2019). (grifamos).
Veja a definição do termo: trancamento da ação penal, segundo a lei processual penal:
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
[…]IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; (Código de Processo Penal). (grifamos).
Nesse caso em foco o Tribunal Bandeirante entendeu que a anulação do débito importaria na ausência de constituição definitiva do crédito, por isso não houve fundamento razoável para o prosseguimento da ação penal, muito embora já tivesse sido recebida a denúncia.
Por isso sempre é bom estar assistido por um profissional da área jurídica que lhe assessore e verifique a possibilidade de integrar as esferas tributária e criminal que necessariamente se complementam na prática.
[1] Se quiser entender melhor a respeito leia: https://camposebarros.adv.br/o-principio-da-insignificancia-ou-bagatela-aplicado-aos-crimes-contra-a-ordem-tributaria/
[2] Segundo as últimas alterações da Lei nº 13.853/2019, a implementação completa ocorrerá em agosto/2021.
Dra. Talita Andreotti
[email protected] |
Advogada Tributarista Empresarial, com atuação focada nos Crimes Contra a Ordem Tributária.