Em outubro de 2023, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a posição atual de suas 1ª e 2ª turmas sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de produtos intermediários, que são essenciais ou necessários para a execução da atividade principal do contribuinte. Essa decisão, presente nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial 1.775.781/SP (EAREsp 1.775.781/SP), aplica de forma correta o que está disposto nos artigos 20 e 33, inciso I, da Lei Complementar 87/96 (LC 87/96).
Na ocasião, prevaleceu, por unanimidade, o voto da ministra relatora, Regina Helena Costa, fundamentado nos seguintes pontos:
Como já decidido no Recurso Especial Repetitivo 1.221.170/PR, o critério de essencialidade ou relevância leva em conta a importância de um determinado item, bem ou serviço, para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte.
Conforme o parágrafo 1º do artigo 20 da LC 87/96, não há direito a crédito de ICMS sobre as entradas de mercadorias que se referem a bens ou serviços não relacionados à atividade do estabelecimento. Contudo, se um insumo ou mercadoria for indispensável para a atividade da empresa, essa aquisição gera crédito de ICMS dedutível na operação subsequente, conforme os artigos 20, 21 e 33 da LC 87/96.
A limitação temporal prevista no artigo 33, inciso I, da LC 87/96 deve ser interpretada considerando o caráter estritamente restritivo da norma. Isso é necessário para evitar a ampliação da regra que limita o exercício do direito ao crédito pelo contribuinte, inerente ao princípio da não cumulatividade.
Portanto, é permitido o creditamento referente à aquisição de materiais utilizados no processo produtivo, incluindo produtos intermediários e aqueles que são consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de seu uso para a realização do objeto social da empresa.
Essa decisão representa uma vitória para os contribuintes na luta contra as restrições impostas pelos fiscos estaduais. As autoridades fazendárias dos estados adotam a interpretação restritiva e ilegal de que apenas itens imediatamente consumidos no processo produtivo ou integrados ao produto final seriam passíveis de creditamento.
Embora a decisão da 1ª Seção do STJ não tenha efeito vinculante, diversos julgados recentes dos tribunais de Justiça no país, com base no EAREsp 1.775.781/SP, têm autorizado o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de materiais intermediários – desde que comprovada a essencialidade do produto ou serviço para a realização do objeto social do contribuinte, mesmo que não sejam consumidos ou desgastados de forma imediata.
O Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro também se manifestou recentemente nesse sentido nos autos do Processo Administrativo E-04/037/100319/2018. Alinhando-se ao posicionamento da 1ª Seção do STJ, o conselho concluiu que “se o produto adquirido é essencial para a atividade produtiva, deve ser considerado insumo/material intermediário, dando ao contribuinte o direito ao crédito na sua aquisição”.
Apesar disso, é comum que os fiscos estaduais realizem autuações fiscais considerando indevido o creditamento feito pelos contribuintes em relação à aquisição de determinados bens ou serviços que não são consumidos imediatamente no processo produtivo ou integrados ao produto final, mas que são essenciais para o desenvolvimento de suas atividades econômicas.
Nesses casos, os fiscos estaduais alegam que se trata de material de uso e consumo, e não de produto intermediário, que só daria direito ao crédito a partir de 2033, conforme previsto no artigo 33 da LC 87/96.
A legislação paulista (artigo 66, inciso V, do Regulamento do ICMS), por exemplo, proíbe o creditamento sobre a aquisição de mercadorias e serviços, mesmo que necessários ou essenciais, quando destinados ao “uso ou consumo do próprio estabelecimento, entendendo-se como tal a mercadoria que não for utilizada na comercialização, que não for empregada na integração ao produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou produção rural, ou ainda, na prestação de serviço sujeita ao imposto”.
Recentemente, ao julgar o Auto de Infração e Imposição de Multa 4133728-1, a Quinta Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) reconheceu que a 1ª Seção do STJ analisou a matéria no EAREsp 1.775.781/SP, mas concluiu que essa decisão não tem efeito vinculante em relação à Administração Pública.
Para justificar, o tribunal argumentou que “apesar da posição do Poder Judiciário, essa decisão não tem o poder de afastar norma editada pelo Estado de São Paulo”.
Diante desse cenário, embora a jurisprudência atual do STJ seja favorável aos contribuintes, espera-se que os fiscos estaduais continuem autuando, argumentando que a decisão do STJ no EAREsp 1.775.781/SP não teria efeito vinculante.
Nessas autuações, são comuns acusações fiscais contra o direito ao crédito de ICMS em atividades específicas, sob a alegação de que o crédito decorrente da aquisição de insumos em geral seria aplicável apenas aos contribuintes que realizam atividades industriais.
O que se observa nesses casos é uma tentativa dos fiscos de distorcer o próprio conceito de industrialização, indicando a ausência de atividade industrial na cadeia produtiva dos contribuintes (mesmo que haja efetiva industrialização), apenas para negar o direito ao crédito pretendido.
Diante disso, o contribuinte pode buscar o reconhecimento de seu direito ao crédito de ICMS na Justiça. Para isso, é necessário comprovar a essencialidade ou relevância de um determinado item (bem ou serviço) para o desenvolvimento de sua atividade econômica, reunindo provas.