A CONSTITUCIONALIDADE DA LIMINAR PARA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
O Mandado de Segurança constitui-se como um remédio constitucional, sendo um importante instrumento para solução de litígios na seara do Direito Tributário. Com previsão no artigo 5º, LXIX da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 12.16/2009, o Mandado de Segurança pode ser utilizado para prevenção, no caso de uma ameaça, ou para repressão no caso de uma lesão ao direito líquido e certo do contribuinte decorrente de um ato ilegal ou com abuso de poder da autoridade administrativa tributária.
Assim como nas demais ações tributárias de iniciativa do contribuinte na Petição Inicial do Mandado de Segurança, é possível, uma vez verificada a plausibilidade do direito e o perigo na demora, requerer a antecipação dos efeitos da decisão, que se materializa pelo pedido liminar.
Ocorre que, ante a previsão do artigo 7º, §2º da Lei nº 12.016/2009, era expressamente vedado o pedido de liminar com o fim de obter um provimento judicial para compensação de créditos tributários, este, por sua vez, viável quando o contribuinte e o fisco forem ao mesmo tempo credores e devedores um do outro.
“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
[…]
- 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
[…]”
Contudo, em que pese à jurisprudência, até então também direcionada para considerar válida a vedação imposta pelo dispositivo, muitas controvérsias foram levantadas sobre o tema, questionando a validade da norma, bem como uma possível violação ao direito dos contribuintes.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a analisar, dentre outras questões envolvendo o mandado de segurança, a inconstitucionalidade da vedação da concessão de liminar para compensação de créditos tributários, de modo que na última semana em sessão virtual a Corte se debruçou sobre tais questões quando da decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4296, de relatoria do Ministro Marco Aurélio.
Em breve síntese, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4296 proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tramitava perante o STF desde 2009, tinha como objeto obter a declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei nº 12.016/2009, dentre eles o artigo 7º, §2º que versa sobre a compensação de créditos tributários em sede de medida liminar.
Especialmente no que se refere ao dispositivo supracitado a OAB em sua petição inicial da Ação de Direta de Inconstitucionalidade considerou que:
“O legislador, contudo, estabeleceu restrição desarrazoada e inconciliável com o remédio constitucional, cuja consequência prática mitiga a possibilidade de concessão de liminar e retira do ‘mandamus’ a máxima eficácia, incorrendo, pois, em manifesta vulneração aos artigos 2º, por ingerir na esfera do Poder Judiciário e quebrar o Princípio da Separação dos Poderes, bem como por ofender a própria garantia fundamental do mandado de segurança e do acesso à jurisdição, na forma dos incisos XXXV e LXIX do artigo 5º, da Carta Maior.[1]
No julgamento, restou decidido por maioria dos votos, tendo como base no voto proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes, que o pedido formulado na ADI era parcialmente procedente, sendo declarada a inconstitucionalidade do artigo 7º, §2º da Lei nº 12.016/2009, de forma que diante do julgado firmou-se entendimento de que não há mais óbice para que em sede liminar seja requerida a compensação de créditos tributários.
Contudo, ainda que exista a possibilidade de requerer a compensação de créditos tributários como medida liminar, importa destacar que o deferimento ou indeferimento da medida estará condicionada a verificação no caso concreto dos requisitos previstos no artigo 7º, inciso III da Lei nº 12.016/2009, quais sejam a plausibilidade do direito e o perigo na demora, ou seja a existência de valores a compensar devem estar evidentes e devidamente quantificados.
“Art. 7º[…]
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. […]”
Além disso, vale mencionar que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal se configura em sentido contrário ao entendimento até então adotado pelo tribunais, bem como disposto na Súmula 212 do STJ, de modo que diante da inconstitucionalidade declarada, certamente o verbete da súmula e a jurisprudência dos tribunais terão que ser revistas e novas controvérsias sugiram a partir do confronto de ambos os posicionamentos, especialmente quando consideradas de um lado a necessidade de preservação dos direitos do contribuinte e do outro as consequências da medida para o erário público.
Diante disso, o que se constata é que a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade representará benefícios aos contribuintes que poderão pleitear a compensação de seus créditos tributários, todavia, a opção pelo requerimento da medida liminar deve ser cautelosa e devidamente analisada de acordo com o caso concreto para que ao final do processo a liminar seja devidamente confirmada, sob pena de que, caso não se obtenha sua confirmação, o contribuinte não possa se aproveitar seus créditos para saldar o débito discutido.
CONCLUSÃO
Portanto, dada à decisão pela inconstitucionalidade da vedação da compensação de créditos tributários em sede liminar, se verifica que certamente o entendimento beneficiará significativamente os contribuintes que uma vez que tendo sofrido a cobrança de valores excedentes ao que realmente deveria ter sido pago poderão se beneficiar da compensação para quitar o pagamento de tributos devidos futuros que sejam de mesma natureza daquele cobrado em valor excedente, bem como promoverá o direito ao acesso ao Poder Judiciário sem qualquer limitação.
Outrossim, ainda tratando da decisão proferida na ADI 4.296, em que pese não seja uma questão envolvendo a compensação de créditos tributários, é de sua importância alertar para outro ponto discutido na ADI que embora de caráter processual tem relevância para o Direito Tributário, dado que dentre as outras disposições questionadas estava o artigo 23 da Lei nº 12.016/2009 que versa sobre o prazo para que seja impetrado o Mandado de Segurança e de modo diverso ao caso da compensação, nesse ponto o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade do prazo decadencial de 120 dias para que seja impetrado Mandado de Segurança quando feito na forma repressiva.
Autora: Dra. Ana Beatriz da Silva
[1] ADI nº 4.296, STF. Petição Inicial fls. 42. Disponível em: <redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752919568&prcID=3755382#>. Acesso em: 15 jun. 2021.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 12.016 de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Brasília, DF, 10 ago. 2009.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4296. Relator Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 09 jun. 2021. Disponível em: <redir.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3755382 >. Acesso em: 15 jun. 2021.
______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 212. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar. Brasília, DF, 23 mai. 2005.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.296, STF. Petição Inicial. Disponível em: <redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752919568&prcID=3755382#>. Acesso em: 15 jun. 2021.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. São Paulo: Grupo GEN, 2020.