Doutora
Kenia Ferreira Alves
Da não incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade – Modulação dos efeitos da decisão proferida na ADC 49.
A ADC 49, foi proposta em 2017, pelo Estado do Rio Grande do Norte com o objetivo de ver declarada a constitucionalidade da cobrança de ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade nas operações interestaduais, nos termos dos artigos 11, §3º, II, 12, I e 13, §4º, da Lei Complementar 87/1996. A grande questão residia no fato de a circulação para fins de cobrança de ICMS ser a jurídica, ou seja, com a mudança de titularidade, pois, os estados defendiam a cobrança do ICMS sobre qualquer saída. No entanto, a cobrança do ICMS já havia sido afastada nas operações interestaduais.
Ocorre que, ao Julgar o mérito da ADC 49 em 2021, o STF, julgou improcedente o pedido formulado pelo Estado do Rio Grande do Norte, declarando, dessa forma, ao contrário do que foi pleiteado, a inconstitucionalidade em caráter “erga omnes” (para todos), dos dispositivos acima elencados, da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), que permitia a cobrança de ICMS nas operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
A declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo, trouxe a possibilidade de qualquer pessoa que estiver realizando a transferência entre estabelecimentos de mesma titularidade, não se sujeitar à cobrança do ICMS. O exemplo mais comum que costuma surgir é o de varejistas que possuem matriz em um estado da federação e filiais em outros diversos estados. Mas, pode ser aplicada também aos produtores rurais, que precisam fazer esse tipo de remessa, por exemplo.
Outrossim, em face da decisão proferida em 2021, o Estado do Rio Grande do Norte, opôs embargos de declaração, no qual pleiteou a modulação de efeitos da decisão. Ocorre que a modulação de efeitos consiste num mecanismo que permite ao tribunal restringir a eficácia de uma decisão de inconstitucionalidade proferida, a fim de que tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de um outro momento que venha a fixar.
O julgamento estava suspenso, sendo retomado agora.
Assim, em abril de 2023, a matéria voltou a ser julgada pela Corte Suprema, no que se refere à modulação de seus efeitos. O relator da ação, o Ministro Edson Fachin, justificou a aplicabilidade da modulação dos efeitos da decisão, declarando em seu voto: “A gravidade das consequências desse cenário evidencia excepcional interesse social de pacificação pelo Poder Judiciário das relações jurídicas tributárias, que ensejam a excepcional aplicação do instituto da modulação dos efeitos temporais da decisão para que os estados da federação empreendem esforços perante o Congresso Nacional e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para melhor conformação do esquadro legal do ICMS”.
A referida modulação tem como principal objetivo, limitar, ou tentar limitar, uma verdadeira cascata de pedidos de restituição e, ainda, possíveis pedidos de afetação de processos em curso. Outrossim, além da modulação temporal dos efeitos da decisão, também estava sob análise, a qual estabelecimento, ou seja, o remetente ou o destinatário terá o direito de usar os créditos de ICMS originados na etapa anterior, e qual deles terá a competência para arrecadação.
A presente questão foi objeto de discussões, seguidas de pedidos de vistas dos ministros do STF, outrossim, tanto a proposta de modulação do Ministro Edson Fachin, relator, quanto a do voto divergente do Ministro Dias Toffoli, optaram por manter a inconstitucionalidade da incidência de ICMS nas operações de transferência de mercadoria entre estabelecimento de mesma titularidade, e, ainda levando em consideração a necessidade de preservar os litígios já em curso.
Assim, o entendimento exarado pelo STF foi no sentido de modular os efeitos da decisão para o exercício financeiro de 2024, ou seja, os estados irão continuar cobrando o referido ICMS durante todo o ano de 2023, mas, assegurando o direito adquirido dos contribuintes que entraram com ação judicial ou defesa administrativa, pendente de julgamento na data da decisão do mérito da ADC 49, ou seja, 29.04.2021. E, ainda, determinando, que o contribuinte tem direito de manter o crédito e transferir para o estabelecimento que fez a venda. Outrossim, foi determinado que os estados-membros devem disciplinar a referida transferência por meio de Lei complementar, até 31.12.2023, para que seja efetivamente aplicada. Caso transcorra referido prazo sem a regulamentação, fica, de plano, reconhecido o direito de os sujeitos passivos procederem com a transferência desses créditos.
Assim, o STF resolveu a questão temporal para aplicação da decisão que determina que não incide ICMS nas transferências de Mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, porém, no que se refere à transferência dos créditos oriundos dessa atividade, deixou a cargo dos estados-membros a regulamentação de como deverá ser feita a transferência. O que poderá gerar, caso os estados não procedam com a regulamentação, uma nova corrida ao judiciário, para que haja determinação de como será feita a transferência já concedida.