Recentemente, a mídia estampou a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.072.485/PR, considerando constitucional a inclusão do terço constitucional de férias na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal. Porém, na prática, em todos os cenários, os riscos e a insegurança jurídica para as empresas são enormes e o planejamento é fundamental para se preparar para qualquer ação da Fazenda Nacional.
ENTENDA O CASO
Até o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 1.072.485/PR, com repercussão geral reconhecida, empresas de todo o Brasil vinham excluindo o terço constitucional de férias da base de cálculo da contribuição previdenciária, justamente porque, até então, encontravam respaldo jurídico no julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº 1.230.957/RS, julgado sob o rito dos recursos repetitivos e que vinculava as demais instâncias do Judiciário, amenizando a insegurança jurídica e os riscos para as empresas serem autuadas pela Fazenda Nacional.
Com vista a amenizar ainda mais esses riscos, o rito mais comum era ingressar com uma ação judicial pedindo a exclusão dessa e outras verbas da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, sob o principal argumento de que tal rubrica, assim como algumas outras, não são pagas com habitualidade, tampouco possuíam uma natureza remuneratória, haja vista que quando o empregado está gozando de seu período de férias não poderia estar à disposição do empregador e consequentemente não poderia estar efetivamente prestando o serviço para o qual foi contratado.
Ocorre que, também foi possível constatar empresas que simplesmente excluíram o terço constitucional da incidência da contribuição previdenciária patronal, sem decisão judicial porque o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça vinculava todas as instâncias e, ainda que o risco de uma autuação fosse maior, a probabilidade de um desfecho de forma desfavorável para as empresas era considerada remota, o que sustentava a chamada “exclusão automática”.
Além do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que dava amplos e profundos fundamentos jurídicos para que os contribuintes pudessem excluir o terço de férias da contribuição previdenciária patronal, até mesmo pela ampla adesão das demais instâncias, os cenários apontavam que a Corte Suprema não julgaria de modo desfavorável aos contribuintes, pois o tema a respeito da inclusão ou não dessa rubrica na base de cálculo da contribuição previdenciária não é um tema novo perante o STF.
Em 2016, no julgamento do Recurso Extraordinário 892.238 os Ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que não havia repercussão geral no processo em que se discutia a contribuição do empregado sobre o terço constitucional de férias.
Ou seja, o entendimento foi de que não caberia ao Supremo Tribunal Federal decidir a respeito da inclusão ou não do terço constitucional de férias na base de cálculo da contribuição devida pelo empregado porque a definição da natureza jurídica da parcela não enquadrava-se como uma matéria constitucional a ser analisada, ainda que tanto a contribuição do empregado quanto do empregador tenham previsão no mesmo diploma legal.
Já em 2017, em nova oportunidade, o Supremo Tribunal Federal, na análise do Recurso Extraordinário nº 565.160, decidiu de forma mais contundente que o entendimento prevalecente na corte direcionava pela inviabilidade de se discutir, através de Recurso Extraordinário, se uma verba carrega natureza jurídica remuneratória ou indenizatória, para fins de inclusão ou não em base de cálculo de contribuições sociais. Na ocasião, o Ministro Luiz Fux foi claro ao afirmar que a discussão se uma rubrica possui natureza de remuneratória ou indenizatória não possui status constitucional.
Além disso, esse ano, já no Recurso Extraordinário 1.072.485/PR, antes do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República emitiu seu parecer defendendo pela não inclusão do terço de férias na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, justamente porque o pagamento do terço de férias não é realizado com habitualidade, sequer cogitando-se que sua destinação visa retribuir serviços prestados:
“Especialmente porque possui natureza indenizatória/compensatória. Não se enquadra, portanto, no disposto no art. 22, I, da Lei 8.212/91, nem se amolda ao conceito de salário de contribuição do empregado, previsto no art. 28, I, da lei em referência”[1]
Com isso, até mesmo o parecer da Procuradoria Geral da República alinhou-se à tese dos contribuintes, ocasião em que foi sugerida a tese de que
Não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, sejam estas indenizadas ou gozadas, pois a verba possui natureza indenizatória/compensatória e não constitui ganho habitual do empregado.
Entretanto, ao contrário de todas as previsões, o entendimento alcançado pela Suprema Corte alterou totalmente a lógica e os precedentes até então aplicados pelo pela própria Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça, decidindo pela constitucionalidade da inclusão do terço constitucional na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e abrindo portas para enormes riscos e profundos danos no caixa das empresas, que já sofrem com a adversa e extremamente excepcional situação vivida pela Pandemia do Coronavírus.
OS RISCOS PARA AS EMPRESAS
Para as empresas, os impactos dessa mudança radical de entendimento certamente serão profundamente sentidos. Em primeiro lugar, para as empresas que obtiveram decisões favoráveis à exclusão do terço de férias da base de cálculo da contribuição previdenciária e o processo já transitou em julgado, certamente a Fazenda Nacional ajuizará ações rescisórias tentando reverter tais julgados, tentando impor derrotas para as empresas em processos já encerrados.
E se não bastasse, logo nesse primeiro cenário já existe grande divergência entre os contribuintes e a Fazenda Nacional quanto ao prazo para ajuizamento da ação rescisória, isto porque os primeiros defendem que o prazo é de 2 anos a partir do trânsito em julgado, com fulcro no artigo 975[2] do Código de Processo Civil, enquanto a Fazenda Nacional, com base no artigo 535 do mesmo Código, defende que o prazo começa a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Em segundo lugar, caso as empresas tenham obtido decisões favoráveis para excluir o terço constitucional da base de cálculo da contribuição previdenciária para fatos geradores futuros e tenham usados os valores indevidamente pagos no passado como crédito para compensar com outros tributos administrados pela Receita Federal o cenário é ainda mais sensível, isto porque, além da possibilidade dessas compensações serem anuladas o contribuinte poderá receber uma multa de 50%, acarretando ainda mais prejuízos.
O terceiro cenário, por fim, no qual as empresas simplesmente efetuaram as chamadas “exclusões automáticas” e deixaram de recolher as contribuições previdenciárias patronais com a inclusão do terço constitucional, sem uma decisão judicial, mas com base no entendimento do STJ que vigorava até então, a Receita Federal certamente irá lavar autos de infração cobrando essa cifra, no qual serão inclusos juros de mora e demais encargos previstos na legislação. Ou seja, o cenário para essas empresas é ainda mais desafiador e incerto.
CONCLUSÃO
Em conclusão, o entendimento fixado no Recurso Extraordinário 1.072.485/PR certamente carregará desdobramentos com grandes impactos para as empresas. Na busca incessante por recursos para o custeio da máquina pública a Fazenda Nacional não medirá esforços para reaver cifras do terço constitucional que foram excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, seja através de ações rescisórias ou autuações.
Observando esse grande impacto negativo no caixa das empresas é que a Associação Brasileira de Advocacia Tributária prepara um Embargos de Declaração com efeitos infringentes a ser protocolado no Recurso Extraordinário 1.072.485/PR, para tentar modular os efeitos da decisão e evitar que eventos passados sejam alcançados por essa repentina mudança de entendimento. Contudo, diante da grande resistência da Fazenda Nacional, somada à necessidade de uma sensibilização coletiva dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para a modulação dos efeitos da decisão proferida é que o planejamento se mostra ainda mais fundamental.
Exatamente por isso que é necessário e urgente que as empresas esteja bem preparadas, através de um diligente e minucioso trabalho de gerenciamento de riscos e análise de aspectos jurídicos e processuais do caso concreto, que auxiliem a compreender qual desdobramento mais provável que certamente ocorrerá, antecipando uma possível ação da Fazenda Nacional, tornando viável um adequado provisionamento e evitando danos ainda mais profundos.
[1] https://www.conjur.com.br/dl/nao-incide-contribuicao-previdenciaria3.pdf
[2] Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo