O presente artigo tem o objetivo de analisar o acórdão proferido pelo STF no RE nº 754.917, onde se discutiu se a imunidade tributária referente ao ICMS presente no artigo 155, §2º, X alínea “a” da Constituição Federal, seria aplicada apenas às operações de exportação ou também estenderia a todas as operações anteriores que contribuíram para a exportação.
O caso
O caso discutido no Supremo girou em torno de um Mandado de Segurança impetrado pela empresa contribuinte que tem como objeto social a produção de embalagens, que são adquiridas por empresas exportadoras. No mandamus a empresa alegou possuir direito líquido e certo ao não pagamento de ICMS incidente sobre as operações com as embalagens que possuem o exterior como destino final por entender que a imunidade tributária do artigo 155, §2º, inciso X, alínea “a” da Constituição Federal se estende a toda cadeia de produção do produto destinado ao exterior.
A fim de contextualizar o leitor, cumpre transcrever a redação do artigo 155, §2º, inciso X, alínea “a” da Lei Maior:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
- 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
X – não incidirá:
(…)
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;
Em primeiro grau a liminar foi indeferida e a segurança foi denegada, sob o fundamento que o artigo 155, §2º, X, alínea “a” prevê a incidência de ICMS nas operações internas e prévias às exportações quando assegurou o direito à manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores, e ainda, que teria havido circulação interna de mercadoria entre a empresa de embalagens e as empresas exportadoras.
Em segunda instância, o Tribunal manteve integralmente a sentença que julgou improcedente o pedido do mandado de segurança.
Inconformada com as decisões de primeira e segunda instâncias, a empresa de embalagens decidiu recorrer à Corte Suprema alegando ofensa ao artigo 155, §2º, X “a” da CF.
Inicialmente o recurso extraordinário não foi admitido pela Suprema Corte, de modo que foi interposto Agravo solicitando a análise do mérito recursal.
O Ministro Dias Toffoli atuou como relator do ARE nº 639.352 e decidiu conceder provimento ao Agravo e reconhecer a repercussão geral da questão, reautuando os autos como RE nº 754.917- RG e fixando a questão como tema nº 475.
O que é imunidade tributária?

Antes de adentrar na fundamentação e conclusão da questão pelo STF, importante significar o instituto da imunidade tributária que ocupa um papel muito importante para a solução do caso.
A imunidade tributária é um dos meios criados pela Constituição Federal para limitar o poder de tributar dos Entes políticos.
Na concepção do doutrinador Roque Antônio Carrazza, a imunidade tributária fixa a incompetência das entidades tributantes de cobrar com regularidade determinadas pessoas, bens ou situações, em razão de sua natureza jurídica ou de determinados fatos[1].
Este benefício é tido como um instrumento para a Constituição Federal porque torna intributável situações que visam a preservação de interesses comuns, que por muitas vezes não são supridas somente pela atuação do Estado.
Entende-se, ainda, que as imunidades tributárias exercem uma função essencial a promoção e proteção dos direitos fundamentais, seja dos direitos de liberdade ou dos direitos sociais, haja vista o objetivo do Estado em realizar atividades que preservem valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos.
Neste sentido, temos que o artigo 155, §2º, X “a” da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 42/2003, definiu como imune à incidência do ICMS as operações que destinem mercadorias para o exterior ou os serviços prestados a destinatários no exterior.
Em suma, por meio desta imunidade se pretende conceder incentivo à exportação, com o objetivo de que produtos nacionais e estrangeiros estejam em condições de concorrer igualmente no mercado internacional. Assim, através desta imunidade tributária elimina-se o ônus fiscal da exportação e estimula-se o comércio exportador.
A decisão do STF
Na Suprema Corte o julgamento do tema 475 foi finalizado no dia 04/08/2020, e pela decisão da maioria decidiu-se pela negativa de provimento ao RE nº 754.917- RG.
Votaram pela negativa de provimento ao recurso os Ministros Dias Toffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, e foram vencidos, pois votaram pelo provimento do recurso, os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin.
A fundamentação sustentada pelo Ministro Marco Aurélio que votou a favor do contribuinte assentou que a regra da imunidade tributária é extensiva à cadeia de produção envolvida no comércio e trânsito de produtos a serem enviados ao exterior. Para o Ministro o artigo constitucional não prevê expressamente a limitação da imunidade tributária apenas à operação imediata ao produto, devendo interpretar a ausência de impedimento de modo favorável ao contribuinte, isto é, abrangendo todas as transações envolvendo os componentes da mercadoria exportada.
Discorreu ainda que interpretar de forma contrária ao que o artigo apresenta seria o mesmo que favorecer o exportador e não as exportações propriamente ditas, o que esvaziaria o dispositivo constitucional.
Na contramão, o relator do caso, Ministro Dias Toffoli, emitiu o seu voto discorrendo que a questão não seria complexa de se resolver, pois, bastaria a simples leitura do artigo 155, § 2º, X, ‘a’, da CF para se constatar que incide ICMS em todas as operações internas e que a imunidade tributária se aplicaria exclusivamente à operação que destine o produto para o exterior.
Ressaltou ainda que a incidência do ICMS nas operações internas fica evidente quando admitida a possibilidade de manutenção e aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores. E conclui que “caso houvesse imunidade para as operações internas, de modo que não fosse cobrado o ICMS em nenhuma das etapas anteriores à exportação, seria inútil e despropositada a regra de manutenção e aproveitamento de créditos.”
Pois bem, com o acolhimento do voto do Ministro Dias Toffoli pela maioria, restou fixada a seguinte tese: A imunidade a que se refere o art. 155, § 2º, X, ‘a’, da CF não alcança operações ou prestações anteriores à operação de exportação.
[1] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 676