Tem-se ouvido muito falar sobre a recente conversão da MP nº 899/19 (MP do Contribuinte Legal) na Lei nº 13.988 de 14 de abril de 2020, que sancionou o dispositivo que prevê a extinção do voto de qualidade no CARF. Mas você sabe o que é o voto de qualidade do CARF e quais as consequências da sua extinção? Por meio deste artigo busca-se explicar de maneira descomplicada esses questionamentos e a importância deste debate.
Em meio a pandemia do Coronavírus e a busca diária para manter-se atualizado de todas as medidas lançadas para auxiliar os contribuintes, sobreveio um assunto muito relevante e polêmico para os tributaristas, que é a extinção do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o CARF.
AFINAL, O QUE É O CARF?
Para contextualizar o leitor, inicialmente iremos explicar a função e a estrutura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no direito administrativo tributário brasileiro.
O CARF é um órgão de segunda instância responsável pelo julgamento de recursos em processos que tramitam no âmbito da Receita Federal do Brasil. Trata-se de um órgão de suma importância, que profere entendimentos técnicos de altíssimo nível no âmbito administrativo tributário.
Uma das características mais importantes do CARF é ser um órgão paritário, ou seja, sua composição requer a mesma quantidade de conselheiros que representem a Fazenda Nacional, como de representantes dos contribuintes. Assim, o colegiado sempre será em número par, pois para cada representante da União, haverá um representante do contribuinte.
Além disso, a presidência do CARF será sempre exercida por um conselheiro representante da Fazenda Nacional, e a vice-presidência por um conselheiro representante dos contribuintes.
O QUE É O VOTO DE QUALIDADE?
Pois bem, como normalmente realizado, as decisões do colegiado do CARF ocorre pela maioria dos votos, no entanto, pelo fato dos conselheiros votantes ser formado pelo mesmo número de representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, algumas das vezes os conselheiros representantes da Fazenda votam a favor da manutenção do crédito tributário, e os representantes dos contribuintes votem a favor da extinção do crédito tributário, gerando um empate na votação.
Quando da ocorrência desta situação, na legislação anterior estava previsto que se aplicaria o voto de qualidade que seria o voto do presidente da turma para resolver o empate.
Mas, conforme mencionado, o presidente da turma sempre será um conselheiro representante da Fazenda Nacional, o que tornava alta a probabilidade de a decisão final ser favorável à União.
Diante desta determinação criou-se uma tendência de que em caso de empate, sempre seria resolvido de modo favorável ao Fisco, nunca ao contribuinte, e por este motivo é que o voto de qualidade há muito tempo é alvo de questionamentos e reivindicações por parte dos contribuintes.
O QUE FOI DECIDIDO?
Após grandes debates, o artigo 28 da Lei nº 13.988 de 14 de abril de 2020 alterou a redação do artigo 28 da Lei nº 10.522/2002, acrescentando o artigo 19-E que dispôs que em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, se resolveria favoravelmente ao contribuinte, não se aplicando mais o voto de minerva do presidente da turma.
Isto é, na hipótese de empate nos votos dos conselheiros do CARF, o crédito tributário poderia ser considerado extinto, beneficiando o contribuinte. Neste cenário prevalecerá a presunção de inocência do contribuinte, pois em caso de dúvida na solução do litígio, opta-se pela solução mais favorável ao suposto devedor.
E AGORA?
Por se tratar de uma decisão recente no ambiente tributário não se sabe ao certo se esta mudança representará uma melhora ou não e quais serão os efetivos impactos no processo administrativo tributário.
Em um primeiro momento pode ser extraído de diversos debates sobre o tema pontos negativos da alteração, pontos positivos e questionamentos não respondidos ainda.
LADO POSITIVO, LADO NEGATIVO E QUESTIONAMENTOS
Há argumentos defendendo que a extinção do voto de qualidade no CARF é positiva, pois a partir de agora o ônus da ação judicial não caberia mais ao contribuinte, que antes ao perder o processo administrativo tinha o dever de garantir o valor do crédito tributário para discutir judicialmente a questão.
Como ponto negativo desta mudança legislativa, alegam pelo receio do CARF se tornar um órgão transitório, pois há possibilidade dos julgadores, para não se comprometerem, votarem a favor da Fazenda Nacional com o intuito de dar continuidade a discussão no judiciário, prejudicando o verdadeiro papel do processo administrativo fiscal.
Uma questão não respondida é a possibilidade da Fazenda Nacional, quando perdedora no âmbito administrativo, ser autorizada a propor ação anulatória para desconstituição de ato administrativo. Neste caso teríamos a União litigando com a própria União, pois seria uma ação ajuizada pela Fazenda Nacional que é a representante da União, em face de uma decisão proferida por um órgão que também pertence à União.
E caso autorizada esta judicialização, surge a dúvida que se o contribuinte ao ser chamado para contestar a ação, teria que garantir o crédito tributário? E mais, no caso de a Fazenda ser sucumbente, terá que pagar honorários, que seriam pagos com o dinheiro arrecadados pelos próprios contribuintes?
Além disso, não há definição se a norma terá aplicação retroativa para os casos em discussão no poder judiciário que os créditos tributários foram mantidos em razão do voto de qualidade.
Ora, conforme visto, apesar de parecer ter sido colocado um ponto final na discussão, a decisão de extinguir o voto de qualidade no CARF provocou uma série de questões que necessariamente precisam ser definidas, e até estar definitivamente decididas, proporcionará debates valiosos de ser acompanhados.